Em novembro de 2015, quando a Barragem de Fundão se rompeu, despejando cerca de 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração diretamente no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e posteriormente na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, a Comunidade Remanescente de Quilombo do Degredo (CRQ), localizada no município de Linhares, no litoral norte do Espírito Santo, não compunha sequer a área de influência das operações da Samarco, responsável pela estrutura.
Os danos causados pelo evento às condições físicas e bióticas do território próximo à foz do Rio Doce, onde suas águas encontram o Oceano Atlântico, geraram repercussões para a dinâmica social da Comunidade do Degredo, colocando em risco a reprodução de seu modo de vida tradicional.
Desafio
Em atendimento à Fundação Renova, a H&P atuou na identificação e avaliação dos impactos do rompimento sobre os aspectos de tradicionalidade da CRQ do Degredo. O desenvolvimento do estudo implicava articular as dimensões física, biótica e antrópica que organizam a territorialidade do Degredo, exigindo um esforço multidisciplinar de articulação das metodologias de pesquisa próprias da Antropologia e Ciências Sociais e os métodos e ferramentas de avaliação de impactos ambientais próprios das Ciências da Natureza.
Solução
Do ponto de vista antropológico e social, o estudo analisou aspectos como a relação da comunidade com o território, os laços de parentesco e ancestralidade, o levantamento de sítios e referências históricas e culturais, a catalogação de lideranças, mestres, modos de fazer, saberes e mecanismos de subsistência e a relação da comunidade com o seu entorno. Do ponto de vista físico-biótico, foram caracterizadas a topografia, a cobertura vegetal, a fauna terrestre e aquática e a dinâmica hidrográfica do território, entre outros aspectos. Somadas, ambas as frentes de análise possibilitaram a caracterização multidimensional da Comunidade do Degredo e a compreensão acurada dos impactos do rompimento de Fundão sobre o território e a população, fornecendo subsídios para orientar o processo de compensação e reparação conduzido pela Fundação Renova.
O trabalho foi organizado em frentes de análise, desenvolvidas de acordo com os conhecimentos e as técnicas a serem mobilizadas para a consecução dos objetivos específicos que as orientam, em um esforço de conexão de suas atividades e resultados ao longo de todo o estudo, garantindo o caráter multidisciplinar do trabalho, necessário à completa compreensão da situação vivida pela Comunidade do Degredo. Esse esforço foi norteado pela perspectiva antropológica, dando foco aos olhares e às percepções da comunidade sobre ela própria, o rompimento da barragem e seus desdobramentos no território.
Em todas as frentes do estudo, as metodologias empregadas buscaram promover a participação social da população do Degredo. Assim, a população contribuiu para o apontamento dos locais de possível chegada da lama ao território e dos pontos de coleta de amostras d’água, de solo marginal, de sedimentos de fundo e de ictiofauna, tomando parte na coleta dos peixes utilizando, para tanto, seus petrechos costumeiros e suas técnicas tradicionais. Eles também auxiliaram diretamente no planejamento e execução do trabalho de pesca experimental, caminhamentos e indicações relativas à fauna e flora local. Além disso, participaram ativamente da definição dos critérios para designação das unidades familiares da Comunidade, indicando domicílios e acompanhando a aplicação da pesquisa junto aos moradores, e participaram de rodas de conversa para levantamento de informações sobre aspectos do modo de vida comunitário.