Como Proteger a sua Empresa de Riscos Sociais
No dia 05/10/2024, foi divulgada a mais recente lista de trabalho análogo à escravidão, popularmente denominada lista suja de trabalho escravo1. A atualização incluiu 132 empregadores e excluiu outros 17, entre pessoas físicas e jurídicas. Constam 289 nomes envolvidos em processos encerrados, isto é, em que não cabem mais recursos para as partes. Os nomes permanecem no cadastro do governo federal por dois anos2.
Essa notícia trouxe à tona a necessidade das empresas se preocuparem e se responsabilizarem pelos riscos sociais associados aos seus negócios. Para enfrentar esse desafio de forma inteligente e evitar incorrer na violação de direitos humanos, as empresas devem assumir uma postura proativa, buscando ações práticas de identificação e monitoramento de ameaças.
Para desmistificar o assunto, é preciso entender: o que são riscos sociais, quem são as pessoas afetadas por eles, quais normativas tratam desses riscos e quais as principais ações que as empresas devem colocar em prática para evitá-los.
Afinal, o que é risco social?
Risco social refere-se a ameaças e vulnerabilidades que podem surgir de impactos negativos das atividades de uma empresa sobre as pessoas, tanto internamente (funcionários) quanto externamente (comunidades, fornecedores e outras partes interessadas). Esses riscos englobam questões de direitos humanos, condições de trabalho, desigualdade de oportunidades, diversidade, equidade e inclusão, e impactos diretos e indiretos sobre a qualidade de vida da comunidade do entorno e grupos vulneráveis, afetadas pelas operações da empresa 3.
Na prática, um risco pode ser tanto real – ou seja, ter ocorrido no passado ou estar em ocorrência – quanto potencial – ou seja, ainda não se concretizou. Além disso, uma empresa pode causar, contribuir ou estar diretamente ligada ao risco, por meio de suas relações comerciais. Em todos os cenários, é importante que empresários monitorem continuamente os riscos sociais em suas matrizes estratégicas.
Quais são os principais riscos sociais?
Os principais riscos que as empresas no Brasil estão sujeitas incluem:
1.Condições de trabalho irregulares: são riscos relacionados a violações de direitos trabalhistas e da saúde e segurança do trabalhador. Abrangem jornadas de trabalho excessivas ou sem período de descanso adequado, não conformidade ou não disponibilização de EPIs e treinamentos, cobrança indevida de taxas e recolhimento inadequados, entre outros.
2.Trabalho em condições análogas à escravidão: inclui atividades forçadas, nas quais o trabalhador é impedido de sair ou levado a executar suas tarefas sob condições degradantes ou jornadas exaustivas e se o empregador utiliza de vigilância ostensiva do empregado.
A jornada exaustiva ocorre quando o ritmo ou carga de trabalho afeta a saúde física ou mental, anulando a vontade do trabalhador. As condições degradantes violam direitos fundamentais, como higiene, saúde, moradia e segurança. Além disso, a servidão por dívida é outra forma de escravidão contemporânea, quando o empregador restringe o deslocamento do funcionário alegando uma dívida.
3.Desigualdade de oportunidades e diversidade: são resultado de ambientes de trabalho pouco inclusivos, caracterizado por uma cultura permissiva a comportamentos discriminatórios e pela falta de representatividade de minorias nas empresas.
4.Impacto nas comunidades do entorno: risco comum em setores como infraestrutura, mineração e agricultura, os conflitos com comunidades locais podem ser causados por deslocamentos forçados ou pela degradação ambiental. Outros impactos possíveis estão relacionados à deterioração do ambiente, como o desmatamento, poluição de água, sonora ou do ar.
5.Relacionamento com fornecedores e cadeia de suprimentos: dentro da perspectiva dos Direitos Humanos, as empresas são responsáveis por garantir que sua cadeia de fornecedores e suprimentos esteja em conformidade com os padrões sociais e éticos. A existência de violações de direitos humanos, como condições de trabalho irregulares, práticas abusivas ou trabalho análogo à escravidão entre os fornecedores, representa um risco social significativo para as empresas. Esses riscos podem levar a crises reputacionais graves, além de impactos financeiros, regulatórios e legais, à medida que as empresas enfrentam pressões crescentes de stakeholders para assegurar práticas responsáveis em toda sua cadeia de valor. Nos últimos anos, a gestão inadequada desse relacionamento tem sido um dos principais fatores que levaram empresas a enfrentar consequências negativas, destacando a importância de uma Due Diligence rigorosa e contínua.
Quem são as pessoas impactadas por esses riscos?
Como é possível observar a partir dos exemplos acima, os riscos sociais afetam uma variedade de pessoas, que podem ser classificadas como partes interessadas – indivíduos ou grupos que têm algum interesse nas atividades da empresa – ou detentores de direitos – partes interessadas cujos Direitos Fundamentais são impactados pelas atividades da empresa13.
No contexto do monitoramento de riscos sociais, o foco está nos detentores de direitos que são efetiva ou potencialmente afetados negativamente pela operação da empresa14.
Em geral, essas pessoas são:
- Comunidade do entorno
- Populações tradicionais, indígenas e quilombolas
- Trabalhadores próprios e terceirizados, inclusive aqueles em acordo informais
- Sindicatos e defensores de direitos humanos
- Clientes e consumidores finais
Para além da lista suja: principais normativas que tratam de riscos sociais
Existe uma gama de normativos e frameworks, nacionais e internacionais, que tratam da responsabilidade empresarial em relação a riscos sociais. Além de estabelecer as diretrizes e condutas esperadas das empresas em nível global, esses normativos destacam a necessidade da transparência quanto à publicação de dados.
Os Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, publicado em 2011, consistem na orientação oficial para o assunto. Eles estabelecem um conjunto de padrões internacionalmente reconhecidos de conduta para empresas e fornecem orientações sobre como evitar e remediar violações de direitos humanos que possam surgir em suas operações.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) editou em 2018 as Diretrizes para Empresas Multinacionais sobre Conduta Empresarial Responsável. O documento oferece orientações detalhadas para empresas sobre conduta global. Posteriormente, a OCDE edita o Guia de Due Diligence para Conduta Empresarial Responsável, que serve de apoio para que as organizações identifiquem, previnam e mitiguem ricos relacionados aos Direitos Humanos em suas operações e cadeias de fornecimento.
O Organização Internacional do Trabalho (OIT) possui diversas convenções e protocolos sobre condições adequadas de trabalho, tópico primordial na temática de riscos sociais. Dentre eles, destacam-se: Convenção nº 169 (Povos Indígenas e Tribais); Convenção nº 182 (Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua eliminação); Convenção nº 105 (Abolição do Trabalho Forçado); Convenção nº 100 (Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por trabalho de igual valor); Convenção nº 98 (Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva); Convenção nº 65 (Proteção do Salário); Convenção nº 29 (Trabalho Forçado ou Obrigatório); Convenção nº19 (Igualdade de Tratamento) e Convenção nº 155 (Segurança e Saúde dos Trabalhadores).
Em nível internacional é importante destacar a Diretiva (UE) 2024/1760 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, que estabelece a obrigatoriedade da realização de Due Diligence em Direitos Humanos (DDDH) para todas as empresas do bloco econômico, bem como aquelas de países terceiros que façam parte da cadeia de fornecimento. Esse movimento internacional é amplo e abrange legislações em vigor e em tramitação4.
No Brasil, para além da lista suja, outra medida tomada para dar publicidade a violações de direitos humanos no Brasil foi o estabelecimento do Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprega (MTE) por meio da Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR n° 18, de 13 de setembro de 20245. Essa portaria articula a atuação conjunta entre o MTE, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MIR), regulando o funcionamento do cadastro e as consequências para as empresas envolvidas.
Segundo a nova portaria, as principais consequências da inclusão nesse cadastro são sanções administrativas, como restrição de acesso a financiamentos públicos e possíveis ações de responsabilização judicial, além de impactos reputacionais significativos, com possíveis reflexos negativos para a imagem da empresa no mercado e em suas relações comerciais.
Além disso, está em tramitação o PL 572/2022 que propõe a implementação de Due Diligence em Direitos Humanos no Brasil, obrigando as empresas a identificar, prevenir e mitigar impactos negativos aos direitos humanos em suas operações e cadeias de suprimentos. O projeto exige que as empresas publiquem relatórios de suas ações preventivas e corretivas, promovendo transparência. Em caso de descumprimento, estão previstas sanções administrativas, como multas. O PL também se alinha a normas internacionais, como os Princípios da ONU e a Diretiva da UE sobre DDDH, reforçando a responsabilidade empresarial no respeito aos direitos humanos.
Desta forma, são visíveis os esforços normativos e o compromisso, tanto no Brasil como no restante do mundo, para a erradicação do trabalho escravo, promovendo maior controle e responsabilização sobre práticas abusivas no mercado de trabalho. Afinal, infelizmente, os dados apontam um número crescente de empresas envolvidas em práticas de exploração laboral6.
Traçando estratégias inteligentes para gestão de riscos sociais
Estabelecer um processo de gerenciamento que inclua riscos sociais é uma forma eficaz de proteger a empresa contra a materialização desses riscos. Considerando a responsabilidade sobre a cadeia de fornecimento, essa gestão deve abranger tanto as operações internas quanto externas.
O gerenciamento de riscos sociais deve seguir um ciclo contínuo de identificação, prevenção, mitigação e prestação de contas, conforme indicado pelos principais frameworks internacionais. Para estar em conformidade com o Processo de Gestão de Riscos Sociais, é essencial que os empresários adotem práticas obrigatórias e boas-práticas recomendadas pelos principais frameworks internacionais e nacionais, bem como pelas regulamentações atualmente existentes15:
Ao longo deste ciclo, devem ser consultados os detentores de Direitos e as partes interessadas, a partir de estratégias de comunicação interna e externa. Essa consulta deve ser enfatizada na fase de identificação e avaliação dos riscos e impactos. A identificação, avaliação, integração, monitoramento e reporte destes riscos contempla o estabelecimento de um sistema semelhante ao modelo PDCA (Plan-Do-Check-Act)16 para promover a melhoria contínua e a eficácia dos processos de gestão ESG.
Conte com o apoio de especialistas
A identificação e gerenciamento de riscos sociais, tanto na cadeia de fornecimento, quanto no contexto interno das empresas, exigem conhecimento especializado e dedicação. A contratação de consultorias especializadas, com experiência e tecnologias adequadas para apoiar na implementação dessas estratégias, pode facilitar o processo de adequação das empresas as exigências de mercado com agilidade e precisão.
A H&P oferece soluções personalizadas para sua empresa, com foco em sustentabilidade socioambiental. Nossos serviços incluem a realização de Due Diligence em Direitos Humanos (DDDH), construção e implementação de Jornadas ESG, desenvolvimento de matrizes de materialidade, e gestão de riscos sociais. Além disso, apoiamos a implementação de estratégias completas de prevenção de riscos, desde a identificação até o tratamento, garantindo o engajamento eficaz de stakeholders e a conformidade com padrões nacionais e internacionais. Nossa expertise permite que sua empresa atue com responsabilidade, construindo um legado positivo e sustentável. Entre em contato e vamos juntos transformar desafios em oportunidades!